quarta-feira, 17 de outubro de 2007

ACESSIBILIDADE: PROBLEMATIZANDO A INTEGRAÇÃO DO DV NO CONTEXTO ESCOLAR

ACESSIBILIDADE: PROBLEMATIZANDO A INTEGRAÇÃO DO DV NO CONTEXTO ESCOLAR
Olga Solange Herval Souza
Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Na civilização ocidental conhecer se faz com o ver, então o ver é condição para conhecer. Dessa assertiva pode-se depreender que ter uma deficiência visual implica em pertencer a uma cultura na qual o conhecer se confunde com uma forma de percepção que ele não dispõe. Mas que é intensificada na sociedade contemporânea, onde tudo é pensado e produzido para ser visto. Souza, 1997.
Diante desta perspectiva, o que representa acessibilidade no contexto escolar para um aluno com deficiência visual? Representa a facilidade na aproximação, na obtenção de alguma coisa. Significa ter permissão para ir, vir, possuir, sentir, falar, pensar, etc.
Em um sentido amplo, a visão se apresenta como um sentido importante na captação de estímulos, projeções espaciais, facilitando o relacionamento do sujeito no seu meio social. A pessoa através da visão tem a possibilidade de comunicar-se com outra, identificar objetos, distinguir cores, formas e tamanhos, conhecer lugares, distâncias, etc. Ou seja, a visão permite ao sujeito apropriar-se do mundo, no que tange as dimensões perceptíveis ao seu órgão próprio, o olho. Assim, a questão da acessibilidade está presente em todos os momentos na vida de quem apresenta deficiência visual total ou parcial, pois na maioria das vezes, tem comprometidas as suas relações pessoais através da exclusão social.
No início da escolarização o aluno com deficiência visual é vitimado pela ausência ou limitação deste sentido, por vezes este espaço físico lhe é totalmente desconhecido. Este desconhecimento seguramente, gera insegurança e compromete a sua mobilidade. Por isso, é essencial que o espaço escolar lhe seja apresentado, de maneira que possa apropriar-se de referenciais que lhe sejam úteis à construção do seu mapa mental. O deslocamento nos diferentes espaços escolares proporcionará ao aluno com deficiência visual, estímulos na memória e na organização espaço-temporal que irão lhe propiciar maior interação com o meio, evitando seu isolamento. Todos esses estímulos, e a relação espaço-temporal contribuirão para a construção do seu mapa mental em relação ao meio onde está transitando.
O acesso ao espaço escolar com autonomia é um processo construído individual que precisa ser estimulado e respeitado. O aluno deficiente visual necessita sentir-se à vontade, para falar, reivindicar, até mesmo protestar quando estiver sentindo-se prejudicado pela falta de atenção pedagógica, afetiva, etc, cabe-lhe o direito como a qualquer outro aluno de buscar os devidos apoios. Não estou referindo-me apenas ao acesso, aos materiais adaptados, tarefa que em geral, é desempenhada pelas salas de recursos. Falo de uma atenção bem mais abrangente. Aquela de que todos necessitamos quando encontramos alguma dificuldade em um relacionamento com um colega, com um professor, em uma disciplina especificamente, e assim por diante.
Refiro-me aos recursos que são oferecidos a toda comunidade escolar (dentro da própria escola ou na comunidade) como, psicologia, orientação educacional, assistência social, neurologia, etc. E ainda as atividades disponíveis aos alunos como, música, teatro, coros, oficinas, grupos de trabalho, etc. Em geral o que se observa são atividades isoladas, grupais, somente com deficientes visuais, pensadas e planejadas pelos professores especialistas, que na maioria atuam juntos a salas de recursos ou em centros educacionais.
O movimento e o corpo como elementos para a acessibilidade, a percepção do espaço físico, a constituição do mapa mental assim como, a internalizarão da estrutura corporal são processos inter-dependentes que se relacionam na busca pela autonomia.
Segundo Pier Vayer são os distúrbios e as dificuldades da existência que nos fazem perceber a estrutura corporal, porque a construção mental do esquema corporal é ligada à história de vida de cada indivíduo, respeitando as influências culturais e individuais.
Desta maneira, a familiarização com o espaço, seja ele qual for, é um processo gradativo que se verifica na medida em que são oportunizadas a pessoa com deficiência visual, experiências concretas, de real significado. Na escola o processo não deve ser diferente, por tratar-se de um espaço amplo, requer, a atenção e colaboração de todos, professores e alunos, sem o estabelecimento de limites em termos de tempo para que o aluno possa sentir-se seguro e autônomo e movimentar-se livremente.
As pessoas cegas assim como as de visão normal não constroem o seu esquema corporal sozinhas. Além do que, a necessidade do diálogo é essencial, com os pais, professores e amigos, sobre o esquema corporal e a imagem do seu corpo.
TelFord, aborda essa questão enfatizando que, se o diálogo verbal não for bem esclarecido, devido à perda de elementos da comunicação não-verbal (posturas, gestos, expressões faciais), a imagem do corpo deste sujeito poderá ficar deturpada podendo influenciar no seu movimento. Pois o movimento além de abranger atos motores, atinge a dimensão social, como o direito de ir e vir.
Segundo Telford y Saury as pessoas com deficiência visual são privadas de importantes pistas sociais, e apontam algumas dificuldades encontradas por estes sujeitos que, sem dúvida interferem na acessibilidade do processo escolar:
• impedimento direto à palavra impressa; - o que dificulta o acesso ao material didático no momento em que o professor o distribui ao restante do grupo-classe.
• a restrição da mobilidade independente em ambientes não familiares; - o que representa para qualquer pessoa que não vê, um começar de novo, sempre que adentra em um local desconhecido. Para uma criança isso repercute diretamente no seu modo de ser e perceber as coisas; e o professor, lamentavelmente, não está atento na maioria das vezes.
• a limitação da percepção de objetos com grandes dimensões que dificultam a sua apreensão pelo tato; - no processo de ensino-aprendizagem isso precisa ser levado em conta, pois muitos conceitos não são assimilados pela falta de oportunidade de esperienciação através do tato.Uma das possibilidades de amenizar essa dificuldade é a confecção de maquetes com a utilização de vários materiais de acordo com os objetivos a serem alcançados. Este é um dos exemplos de como se pode apresentar a escola a um aluno com deficiência visual. Antes porém, é preciso que o professor conheça bem o seu aluno e saiba quais os conceitos dominados por ele, que são necessários para a observação e interpretação da maquete. Do contrário, perder-se-á tempo, material e disponibilidade de ambos, nesta nova experiência pois, não será significativa e não estará adequada às necessidades do aluno e não atenderá os objetivos estabelecidos pelo professor.
Em regra os professores do ensino regular reagem com muita ansiedade, e apreensão diante da presença ou possibilidade de atenderem alunos com deficiência visual. No entender destes professores existe um total despreparo para a realização das adequações metodológicas, recursos materiais, elencado uma série de dificuldades pelas quais passam a maioria das escolas públicas. Que, aliás, são do conhecimento de todos, portanto, não servem mais como argumentação única para a não aceitação do aluno na escola regular.
Entretanto, o êxito da integração escolar como proposta dependerá, a médio e a longo prazo do desenvolvimento de projetos e programas nas instituições formadoras para professores que promovam a aquisição de novas competências de ensino, que lhes permitam assumir com responsabilidade o processo educativo de todo e qualquer aluno.
À medida que o professor adquire competência para atender com eficiência o aluno com deficiência visual, melhorarão os resultados das interações no grupo, e conseqüentemente deverão decrescer a dependência deste dos serviços especializados, fortalecendo os vínculos com os professores do ensino regular.
A esse respeito Miranda comenta que, considerando a filosofia da integração que nos parece um processo irreversível e que exige uma preparação diferente quer do professor do ensino regular que deverá assumir maior responsabilidade quanto ao ensino da criança com necessidade educativa especial, quer do professor de educação especial que deverá assumir um papel de mediador, consultor e de apoio técnico pedagógico, ou seja, de suporte.
Isto é, ter conhecimentos de técnicas de procedimentos específicos em cada situação, não quer dizer que o professor tenha que dominá-los. Entretanto, o mínimo que se espera de um autêntico professor, é que ele seja um estudioso e pesquisador permanente, perspicaz e ativo, atento às atitudes do aluno e ter a convicção de que ele (aluno) é o maior meio de informações sobre si mesmo. Em outras palavras, se o professor for realmente um educador não terá dificuldade para isso pois, o verdadeiro educador é aquele que se preocupa com o sujeito na sua totalidade, pois lida com o que há de mais importante para o alicerce de uma qualidade de vida, a educação.
Portanto, o foco deve ser este aluno com necessidade educativa especial e não o atendimento especializado, ou o profissional que desempenha essa função. Se isso acontecer, estaremos reforçando e valorizando as suas incapacidades, limitações e deficiências, colocando em cheque à acessibilidade a todo o processo educativo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAUTISTA, Rafael. Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997.
CAMARGO, Ieda de (Organizadora). Currículo Escolar: Propósitos e Práticas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1999.
COLL, César.,PALACIOS, Jesus. e MARCHESI, Alvaro. Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar. Artes Médicas, vol. 3.
CORRÊA, Luíz de Miranda. Alunos com Necessidades Educacionais Especiais nas Classes Regulares. Portugal: Porto Editora, 1997.
FELIPPE, Vera Lúcia Leme Rhein. e João Álvaro de Moraes. Orientação e Mobilidade. São Paulo: Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, 1997.
MARIÑO, Caridad González. e FIGUEREDO, Alicia Santaballa. La educación del niño ciego en la familia, en los primeros años de vida. Playa: Editorial Pueblo y Educación, 1988.
PORTER, Gordon L. e RICHLER, Diane. Changing Canadian Schools - Perspectives on Disability and Inclusion. Canadá: The Rocher Institute, 1991.
SANTOS, Admilson. O cego, o espaço, o corpo e o movimento: uma questão de orientação e mobilidade. In Revista Benjamin Constant. Rio de Janeiro: Instituto Benjamin Constant/MEC - IBCENTRO, Março 1999.
SOUZA, Olga Solange Herval. A integração como Desafio: A (com) vivência do aluno deficiente visual na sala de aula. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Julho 1997.

DADOS DA AUTORA:
SOUZA, Olga Solange Herval é 1ª Secretária da ABEDEV e doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Especialista na área Deficiência Visual, Especialista na área de Deficiência Múltipla, atualmente professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, membro do Conselho Consultivo desta mesma instituição, além de atuar como docente no Centro Universitário LASALLE.

Um comentário:

TUDO NO MUNDO disse...

Concordo plenamente quanto ao despreparo de profissionais para atender a estes e outros alunos.
Adeilda