quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O ENCAMINHAMENTO DO DEFICIENTE VISUAL NO MERCADO DE TRABALHO

Este estudo faz um levantamento de um conjunto de diversas profissões que podem ser exercidas pelas pessoas cegas e de visão subnormal, especificando pré-requisitos e atribuições das mesmas, visando auxiliar no encaminhamento profissional do portador de deficiência visual ao mercado de trabalho; faz menção aos atuais recursos ópticos e técnicos que podem ser utilizados na facilitação do desempenho funcional do deficiente visual; obedece a objetivos específicos e princípios metodológicos e apresenta sugestões e recomendações para viabilização das propostas encaminhadas no estudo.

Apresentação
A dificuldade de colocação profissional, que hoje é enfrentada por uma parcela significativa de brasileiros, com relação ao deficiente visual é agravada pela infundada crença da maioria dos empregadores ao considerarem que a deficiência afeta todas as funções do indivíduo. Além disso, desconhecendo as diversas atividades possíveis de serem realizadas pelo deficiente, receiam dificuldades de integração com o grupo de trabalho, temem a ocorrência de acidentes e preocupam-se com o custo de adaptações e aquisição de equipamentos especiais.

Outro fator primordial é a falta de qualificação profissional de considerável número de deficientes visuais, ocasionada pela ausência de ações voltadas para a preparação profissional dos deficientes, e pela dificuldade de acesso dos mesmos aos cursos existentes.

No decorrer do tempo, as autoridades vêm se preocupando com a problemática do desemprego no que tange ao deficiente; neste contexto, o Instituto Benjamin Constant não poderia se eximir, uma vez que lhe compete, entre outras atribuições, promover o encaminhamento profissional da pessoa portadora de cegueira ou de visão subnormal e desenvolver programas de divulgação e intercâmbio de experiências e inovação na área do atendimento da pessoa deficiente visual.

A partir das premissas acima, foi criado, no âmbito do Departamento Técnico-Especializado do Instituto Benjamin Constant, através da Portaria/IBC nº l39, de 27/11/95, um grupo de trabalho interdisciplinar composto de dois (02) psicólogos, um (01) assistente social e um (01) professor especializado em reabilitação, com a finalidade de proceder a um estudo voltado para a preparação e encaminhamento profissional das pessoas deficientes visuais.

Na realização deste estudo, foram analisadas cerca de 440 profissões de diversos níveis de escolaridade e qualificações profissionais. Como resultado, obteve-se a indicação de 95 ocupações, compatíveis com o desempenho das pessoas deficientes visuais, bem como os respectivos pré-requisitos, a condição visual para a sua execução e a síntese das atribuições. Além destas, são apontadas diversas profissões autônomas nas áreas rural, artesanal, de produtos caseiros, industrial e comercial. São indicados cursos complementares que habilitam ao exercício profissional e à abertura do próprio negócio. Ações práticas para viabilizar a execução das propostas apresentadas são também sugeridas.

Na análise das profissões foram considerados, como elemento facilitador no desempenho de funções compatíveis com a deficiência visual, os atuais recursos ópticos, técnicos e ambientais disponíveis no mercado, graças ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Ao realizar o presente trabalho, o grupo designado preocupou-se em congregar, em um único documento, todo um universo de informações referentes à preparação e encaminhamento profissional das pessoas deficientes visuais, objetivando oferecer aos serviços que atuam nessa área instrumento para minimizar as dificuldades encontradas, bem como esclarecer e orientar os empregadores quanto à capacidade produtiva dos deficientes visuais.

O grupo deixa aqui expresso o seu reconhecimento a todas as pessoas que, indiretamente, colaboraram na realização deste trabalho.

Objetivos
Os objetivos do presente trabalho são:

propiciar o desenvolvimento de ações destinadas à preparação para o trabalho;
diversificar o campo de atuação das pessoas deficientes visuais no mercado de trabalho;
divulgar material a ser utilizado como elemento facilitador na preparação e encaminhamento profissionais;
esclarecer e orientar os empregadores com relação às reais potencialidades dos deficientes visuais;
facilitar o encaminhamento das pessoas portadoras de deficiência visual ao mercado de trabalho.
Metodologia
O estudo foi executado de acordo com as seguintes estratégias preconizadas no projeto e com as alterações que se fizeram necessárias:
contatos com serviços que atuam na área de encaminhamento profissional de deficientes, objetivando obter informações referentes à situação atual da colocação dos mesmos no mercado de trabalho;
contatos com empresas que atuam na área de seleção e encaminhamento profissionais, objetivando a coleta de dados referentes às profissões requisitadas atualmente pelo mercado de trabalho e descrição das atividades e exigências de cada profissão;
pesquisa das vagas de emprego oferecidas pelas empresas em jornais de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro;
contatos com profissionais, deficientes visuais ou não, que atuam no mercado de trabalho, a fim de obter informações a respeito das atividades por eles desenvolvidas;
análise das tarefas que compõem as funções oferecidas e compatibilização das mesmas com as possibilidades de atuação das pessoas deficientes visuais. Na execução desta etapa, fez-se necessário contato com empresas para avaliar a eficiência do deficiente visual no desempenho das tarefas exigidas no exercício de determinada profissão.

Para a realização do presente trabalho foram considerados os conceitos de cegueira e de visão subnormal, que constam no item seguinte.

Considerações teóricas
“A cegueira total ou simplesmente amaurose, pressupõe completa perda de visão. A visão é nula, isto é, nem a percepção luminosa está presente” (1). Assim sendo, a pessoa cega utiliza-se do Sistema Braille para realizar a comunicação escrita.

Visão subnormal é uma perda significativa da visão que não pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico nem por óculos convencionais. O portador de visão subnormal, dependendo da patologia, apresenta comprometimentos relacionados à diminuição da acuidade visual e/ou campo visual, à adaptação à luz e ao escuro e à percepção de cores”(2). Entende-se por acuidade visual “uma medida da capacidade de distinguir claramente os mínimos detalhes” e, por campo visual, “a área do espaço físico visível quando o corpo, a cabeça e os olhos estão numa posição estacionária, frente ao estímulo observado” (3).

No entanto, “as medidas de acuidade visual não têm um valor fixo, mas podem diferir entre indivíduos com condições semelhantes nos olhos, e ainda no mesmo indivíduo em situações variadas” (4).

Com base nesse preceito, grande número de oftalmologistas, educadores e outros profissionais, que atuam no atendimento à clientela de visão subnormal, têm evidenciado as possibilidades de maior eficiência no funcionamento visual com utilização máxima da visão remanescente. A prática vem comprovando que o portador de visão subnormal pode, através da utilização máxima da sua visão remanescente e de recursos ópticos e não ópticos, ter um melhor desempenho nas suas atividades. Devemos salientar, todavia, que nem todos os portadores de visão subnormal necessitam de recursos ópticos, podendo utilizar-se de recursos técnicos e complementares. A utilização de recursos ópticos dependerá da necessidade individual.

Convém acrescentar que, para as pessoas portadoras de visão subnormal, o fator mais importante de auxílio é o de magnificação da imagem, possível graças aos diversos recursos conhecidos.

(1) ROCHA, H. e outros. Ensaio Sobre a Problemática da Cegueira.
(2) CARVALHO, K.M.M. e outros. Visão Subnormal - Orientação ao Professor do Ensino Regular.
(3) REVISTA BENJAMIN CONSTANT nº 01.
(4) BARRAGA, N.C. Programa para Desenvolver a Eficiência no Funcionamento Visual.

Recursos ópticos, técnicos e complementares

Os principais recursos disponíveis para facilitar o desempenho do deficiente visual (cego ou de visão subnormal) são:

Recursos ópticos :
Telessistemas - magnificam a imagem de longe e reduzem o campo visual. Úteis para observação estática.
Lentes asféricas - diminuem as aberrações das lentes de graus mais elevados, utilizados na visão de perto e de longe.
Lupas manuais e réguas plano-convexas - são compostas por lentes convergentes de diversos formatos e capacidade de aumento. Quanto mais perto do olho a lupa estiver, maior é o campo visual e vice-versa.
Lupas de mesa com iluminação - são lentes convexas montadas num suporte que fixa a distância entre a lente e a folha ou o objeto a ser visualizado.
CCTV - (sistema de circuito fechado de televisão) aumenta os ortóptipos de leitura e escrita até 60 vezes, podendo variar o contraste. É útil para quem necessita de maior distância para ler, escrever, desenhar ou datilografar.

Recursos técnicos :
Sistema sonoro de comunicação com o microcomputador - no Brasil, o sistema mais utilizado é o DOSVOX, desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ.
DOSVOX - sistema destinado a auxiliar o deficiente visual no uso de microcomputadores da linha PC, através de sintetizador de voz. O DOSVOX possui as seguintes ferramentas computacionais:
um sintetizador de voz de bolso para microcomputador que permite ao deficiente visual ter acesso a qualquer computador compatível com IBM-PC, mesmo que ele não possua placa de som;
sistema operacional complementar ao DOS, destinado a produzir saída sonora;
sistema de fala em língua portuguesa;
editor e leitor de textos;
diversos programas de uso geral para o cego, como, por exemplo, caderno de telefones, agenda de compromissos, calculadora, etc.;
ampliador de tela para o DOS;
programa de telecomunicações, que permite ao deficiente visual transmitir informações e/ou arquivos para uma outra pessoa, computador ou fax, através de linha telefônica. Pode-se também ter acesso à Rede Internet gratuitamente através da Rende - Rede Nacional de Deficientes (em acordo com a Rede Nacional de Pesquisas).

Impressora braille - periférico que imprime textos em braille.
Scanner - periférico que decodifica impressos em escrita comum, permitindo ao deficiente ler textos que tenham sido digitalizados para o disco rígido ou disquete.
Braille n’speak - aparelho portátil que funciona como agenda eletrônica, editor de textos e cronômetro. Conectado a um PC, funciona como sintetizador de voz, transmite e recebe arquivos. Acoplado a uma impressora comum ou braille, imprime textos armazenados.
Calculadora sonora - anuncia os números, as funções e os resultados das operações efetuadas.
Estante para leitura - suporte de mesa que permite ajustar a distância e o ângulo adequados para a leitura de livros, textos, etc.
Caneta óptica - dispositivo artesanal montado em caneta Pilot, contendo célula fotoelétrica e circuito que transforma a luminosidade em som emitido por pequeno alto-falante. Útil para detecção de luz.

Recursos complementares:
reglete, punção, máquina PERKINS, réguas e metros adaptados, sorobã;

máquina de datilografia com tipo ampliado;
caneta de ponta porosa, lápis de escrever 6B, suporte para leitura, etc.;
cadernos e papéis com pautas especiais, letras ampliadas e cores contrastantes;
controle da iluminação ambiental: aumentando-se ou diminuindo-se focos luminosos para objetos, folhas de trabalho, textos, etc.;
transmissão da luz, com auxílio de lentes absortivas e filtros que diminuem o ofuscamento e aumentam o contraste.

Recomendações
Para viabilizar a execução das propostas aqui apresentadas, recomenda-se o seguinte:
criação de uma equipe técnica interdisciplinar (psicólogo, assistente social, professor, orientador vocacional) conhecedora das potencialidades e limitações das pessoas deficientes visuais;
realização de cadastramento das pessoas portadoras de deficiência visual, contendo informações a respeito da formação, aptidão, interesse e experiência profissional das mesmas;
contato com as empresas, objetivando:
a) verificar se a empresa possui, em seu quadro, um histórico de aproveitamento de deficientes visuais;
b) ouvir e esclarecer as preocupações dos empregadores quanto à contratação ou manutenção de pessoas deficientes visuais no emprego;
c) realizar o levantamento das vagas existentes e analisar os requisitos de emprego e as condições de trabalho;
d) verificar dentre as vagas oferecidas aquelas compatíveis com as possibilidades de atuação das pessoas deficientes visuais;
e) orientar os empregadores quanto às possíveis aquisições, adaptações e utilização de recursos técnicos, ópticos e ambientais que facilitam o desempenho do deficiente visual no exercício de uma função;
f) divulgar junto aos empregadores a efetiva capacidade profissional das pessoas deficientes visuais.

pré-seleção dos candidatos que preencham o perfil exigido para a vaga oferecida;
encaminhamento dos candidatos para avaliação na empresa;
apoio técnico na fase de adaptação do deficiente visual na empresa e conseqüente acompanhamento no decorrer do processo;
indicação e/ou organização de cursos voltados para a formação e qualificação profissional;
indicação e/ou organização de cursos e/ou palestras complementares sobre noções de apresentação pessoal, relacionamento interpessoal, responsabilidade, pontualidade, produtividade, legislação trabalhista, hierarquia, direitos e deveres;
realização de pesquisa de mercado voltada para a realidade local;
orientação à pessoa que pretende atuar como autônoma ou abrir seu próprio negócio;
contato com serviços que atuam no encaminhamento profissional de deficientes visuais a fim de promover o desenvolvimento de ações integradas.

Conclusão
O portador de deficiência é uma pessoa como as demais, com preferências, habilidades, aptidões, dificuldades, interesses e capacidade produtiva. Necessita apenas de oportunidade para desenvolver suas potencialidades.

No campo da atividade profissional no Brasil, seja na área comercial, industrial ou rural, existem profissões compatíveis com o desempenho do deficiente visual, nos diversos níveis de formação. Tais profissões podem ser exercidas pelo deficiente na qualidade de empregado, profissional autônomo ou como empresário.

Convém ressaltar a importância do desenvolvimento de ações voltadas para a preparação para o trabalho. Se a pessoa que está ingressando no mercado de trabalho não adquiriu a experiência profissional normalmente exigida, a habilitação torna-se imprescindível. Estas ações podem ser desenvolvidas tanto a nível de organização de cursos quanto de encaminhamento para os já existentes no mercado.

Ao concluir este estudo, espera-se propiciar aos serviços, que atuam na área de encaminhamento profissional, o desenvolvimento de ações práticas que permitam ao deficiente visual conquistar seu direito ao trabalho e, conseqüentemente, atingir sua independência financeira, auto-realização e integração social.

Este não é um trabalho acabado, devendo o mesmo ser aperfeiçoado. O grupo está, portanto, aberto a sugestões e críticas.

Marcia Lopes de Moraes Nabais - Psicóloga e coordenadora do grupo;
Carmen Lucia Alves Martins - Psicóloga;
Margarida Aguiar Monteiro - Professora especialista em reabilitação
Waldemar Gonçalves Galheira - Professor e assistente social.
Revisão do texto: Irene Edreira Martins

ACESSIBILIDADE: PROBLEMATIZANDO A INTEGRAÇÃO DO DV NO CONTEXTO ESCOLAR

ACESSIBILIDADE: PROBLEMATIZANDO A INTEGRAÇÃO DO DV NO CONTEXTO ESCOLAR
Olga Solange Herval Souza
Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Na civilização ocidental conhecer se faz com o ver, então o ver é condição para conhecer. Dessa assertiva pode-se depreender que ter uma deficiência visual implica em pertencer a uma cultura na qual o conhecer se confunde com uma forma de percepção que ele não dispõe. Mas que é intensificada na sociedade contemporânea, onde tudo é pensado e produzido para ser visto. Souza, 1997.
Diante desta perspectiva, o que representa acessibilidade no contexto escolar para um aluno com deficiência visual? Representa a facilidade na aproximação, na obtenção de alguma coisa. Significa ter permissão para ir, vir, possuir, sentir, falar, pensar, etc.
Em um sentido amplo, a visão se apresenta como um sentido importante na captação de estímulos, projeções espaciais, facilitando o relacionamento do sujeito no seu meio social. A pessoa através da visão tem a possibilidade de comunicar-se com outra, identificar objetos, distinguir cores, formas e tamanhos, conhecer lugares, distâncias, etc. Ou seja, a visão permite ao sujeito apropriar-se do mundo, no que tange as dimensões perceptíveis ao seu órgão próprio, o olho. Assim, a questão da acessibilidade está presente em todos os momentos na vida de quem apresenta deficiência visual total ou parcial, pois na maioria das vezes, tem comprometidas as suas relações pessoais através da exclusão social.
No início da escolarização o aluno com deficiência visual é vitimado pela ausência ou limitação deste sentido, por vezes este espaço físico lhe é totalmente desconhecido. Este desconhecimento seguramente, gera insegurança e compromete a sua mobilidade. Por isso, é essencial que o espaço escolar lhe seja apresentado, de maneira que possa apropriar-se de referenciais que lhe sejam úteis à construção do seu mapa mental. O deslocamento nos diferentes espaços escolares proporcionará ao aluno com deficiência visual, estímulos na memória e na organização espaço-temporal que irão lhe propiciar maior interação com o meio, evitando seu isolamento. Todos esses estímulos, e a relação espaço-temporal contribuirão para a construção do seu mapa mental em relação ao meio onde está transitando.
O acesso ao espaço escolar com autonomia é um processo construído individual que precisa ser estimulado e respeitado. O aluno deficiente visual necessita sentir-se à vontade, para falar, reivindicar, até mesmo protestar quando estiver sentindo-se prejudicado pela falta de atenção pedagógica, afetiva, etc, cabe-lhe o direito como a qualquer outro aluno de buscar os devidos apoios. Não estou referindo-me apenas ao acesso, aos materiais adaptados, tarefa que em geral, é desempenhada pelas salas de recursos. Falo de uma atenção bem mais abrangente. Aquela de que todos necessitamos quando encontramos alguma dificuldade em um relacionamento com um colega, com um professor, em uma disciplina especificamente, e assim por diante.
Refiro-me aos recursos que são oferecidos a toda comunidade escolar (dentro da própria escola ou na comunidade) como, psicologia, orientação educacional, assistência social, neurologia, etc. E ainda as atividades disponíveis aos alunos como, música, teatro, coros, oficinas, grupos de trabalho, etc. Em geral o que se observa são atividades isoladas, grupais, somente com deficientes visuais, pensadas e planejadas pelos professores especialistas, que na maioria atuam juntos a salas de recursos ou em centros educacionais.
O movimento e o corpo como elementos para a acessibilidade, a percepção do espaço físico, a constituição do mapa mental assim como, a internalizarão da estrutura corporal são processos inter-dependentes que se relacionam na busca pela autonomia.
Segundo Pier Vayer são os distúrbios e as dificuldades da existência que nos fazem perceber a estrutura corporal, porque a construção mental do esquema corporal é ligada à história de vida de cada indivíduo, respeitando as influências culturais e individuais.
Desta maneira, a familiarização com o espaço, seja ele qual for, é um processo gradativo que se verifica na medida em que são oportunizadas a pessoa com deficiência visual, experiências concretas, de real significado. Na escola o processo não deve ser diferente, por tratar-se de um espaço amplo, requer, a atenção e colaboração de todos, professores e alunos, sem o estabelecimento de limites em termos de tempo para que o aluno possa sentir-se seguro e autônomo e movimentar-se livremente.
As pessoas cegas assim como as de visão normal não constroem o seu esquema corporal sozinhas. Além do que, a necessidade do diálogo é essencial, com os pais, professores e amigos, sobre o esquema corporal e a imagem do seu corpo.
TelFord, aborda essa questão enfatizando que, se o diálogo verbal não for bem esclarecido, devido à perda de elementos da comunicação não-verbal (posturas, gestos, expressões faciais), a imagem do corpo deste sujeito poderá ficar deturpada podendo influenciar no seu movimento. Pois o movimento além de abranger atos motores, atinge a dimensão social, como o direito de ir e vir.
Segundo Telford y Saury as pessoas com deficiência visual são privadas de importantes pistas sociais, e apontam algumas dificuldades encontradas por estes sujeitos que, sem dúvida interferem na acessibilidade do processo escolar:
• impedimento direto à palavra impressa; - o que dificulta o acesso ao material didático no momento em que o professor o distribui ao restante do grupo-classe.
• a restrição da mobilidade independente em ambientes não familiares; - o que representa para qualquer pessoa que não vê, um começar de novo, sempre que adentra em um local desconhecido. Para uma criança isso repercute diretamente no seu modo de ser e perceber as coisas; e o professor, lamentavelmente, não está atento na maioria das vezes.
• a limitação da percepção de objetos com grandes dimensões que dificultam a sua apreensão pelo tato; - no processo de ensino-aprendizagem isso precisa ser levado em conta, pois muitos conceitos não são assimilados pela falta de oportunidade de esperienciação através do tato.Uma das possibilidades de amenizar essa dificuldade é a confecção de maquetes com a utilização de vários materiais de acordo com os objetivos a serem alcançados. Este é um dos exemplos de como se pode apresentar a escola a um aluno com deficiência visual. Antes porém, é preciso que o professor conheça bem o seu aluno e saiba quais os conceitos dominados por ele, que são necessários para a observação e interpretação da maquete. Do contrário, perder-se-á tempo, material e disponibilidade de ambos, nesta nova experiência pois, não será significativa e não estará adequada às necessidades do aluno e não atenderá os objetivos estabelecidos pelo professor.
Em regra os professores do ensino regular reagem com muita ansiedade, e apreensão diante da presença ou possibilidade de atenderem alunos com deficiência visual. No entender destes professores existe um total despreparo para a realização das adequações metodológicas, recursos materiais, elencado uma série de dificuldades pelas quais passam a maioria das escolas públicas. Que, aliás, são do conhecimento de todos, portanto, não servem mais como argumentação única para a não aceitação do aluno na escola regular.
Entretanto, o êxito da integração escolar como proposta dependerá, a médio e a longo prazo do desenvolvimento de projetos e programas nas instituições formadoras para professores que promovam a aquisição de novas competências de ensino, que lhes permitam assumir com responsabilidade o processo educativo de todo e qualquer aluno.
À medida que o professor adquire competência para atender com eficiência o aluno com deficiência visual, melhorarão os resultados das interações no grupo, e conseqüentemente deverão decrescer a dependência deste dos serviços especializados, fortalecendo os vínculos com os professores do ensino regular.
A esse respeito Miranda comenta que, considerando a filosofia da integração que nos parece um processo irreversível e que exige uma preparação diferente quer do professor do ensino regular que deverá assumir maior responsabilidade quanto ao ensino da criança com necessidade educativa especial, quer do professor de educação especial que deverá assumir um papel de mediador, consultor e de apoio técnico pedagógico, ou seja, de suporte.
Isto é, ter conhecimentos de técnicas de procedimentos específicos em cada situação, não quer dizer que o professor tenha que dominá-los. Entretanto, o mínimo que se espera de um autêntico professor, é que ele seja um estudioso e pesquisador permanente, perspicaz e ativo, atento às atitudes do aluno e ter a convicção de que ele (aluno) é o maior meio de informações sobre si mesmo. Em outras palavras, se o professor for realmente um educador não terá dificuldade para isso pois, o verdadeiro educador é aquele que se preocupa com o sujeito na sua totalidade, pois lida com o que há de mais importante para o alicerce de uma qualidade de vida, a educação.
Portanto, o foco deve ser este aluno com necessidade educativa especial e não o atendimento especializado, ou o profissional que desempenha essa função. Se isso acontecer, estaremos reforçando e valorizando as suas incapacidades, limitações e deficiências, colocando em cheque à acessibilidade a todo o processo educativo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BAUTISTA, Rafael. Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997.
CAMARGO, Ieda de (Organizadora). Currículo Escolar: Propósitos e Práticas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1999.
COLL, César.,PALACIOS, Jesus. e MARCHESI, Alvaro. Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar. Artes Médicas, vol. 3.
CORRÊA, Luíz de Miranda. Alunos com Necessidades Educacionais Especiais nas Classes Regulares. Portugal: Porto Editora, 1997.
FELIPPE, Vera Lúcia Leme Rhein. e João Álvaro de Moraes. Orientação e Mobilidade. São Paulo: Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, 1997.
MARIÑO, Caridad González. e FIGUEREDO, Alicia Santaballa. La educación del niño ciego en la familia, en los primeros años de vida. Playa: Editorial Pueblo y Educación, 1988.
PORTER, Gordon L. e RICHLER, Diane. Changing Canadian Schools - Perspectives on Disability and Inclusion. Canadá: The Rocher Institute, 1991.
SANTOS, Admilson. O cego, o espaço, o corpo e o movimento: uma questão de orientação e mobilidade. In Revista Benjamin Constant. Rio de Janeiro: Instituto Benjamin Constant/MEC - IBCENTRO, Março 1999.
SOUZA, Olga Solange Herval. A integração como Desafio: A (com) vivência do aluno deficiente visual na sala de aula. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Julho 1997.

DADOS DA AUTORA:
SOUZA, Olga Solange Herval é 1ª Secretária da ABEDEV e doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Especialista na área Deficiência Visual, Especialista na área de Deficiência Múltipla, atualmente professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, membro do Conselho Consultivo desta mesma instituição, além de atuar como docente no Centro Universitário LASALLE.

sábado, 6 de outubro de 2007

MUSEU PARA DEFICIENTES: UM APRENDIZADO DE "DOIS SENTIDOS"

RELATOS DE CASOS

Foram eleitos sete casos para relatos significativos. Os atendimentos são sempre diferentes, porém, pode-se considerar que têm uma base pedagógica representada pelos exemplos aqui relatados, com variações, que são comentadas para casos especiais.

1 - Fundação "Padre Chico" para Cegos - 1o. e 2o. Graus (o primeiro atendimento da série) _ no MIB

Oitenta e oito alunos chegaram às portas do MIB em fila indiana e guiados no trajeto por responsáveis, que ofereciam o braço para que o primeiro aluno apoiasse sua mão e assim fosse conduzido e conduzisse da mesma maneira o seguinte, e desta forma sucessivamente.
A primeira aluna que chegou à porta parou e afirmou categoricamente que ali não entraria. Perguntado o porquê, disse que aquele local não era Museu e sim Hospital, pois tinha cheiro de "remédio e de álcool". Realmente, naquele dia havia sido feita a desinfecção profilática de diversos animais da exibição. Um dos pesquisadores do MIB aproximou-se para dissuadi-la e explicar o fato. Não houve necessidade. Quando aproximou-se da aluna, esta lhe disse com extrema convicção: "—Aqui não é Hospital, não! Porque médico não pode usar perfume e você está perfumado!!! Eu entro!"
Esta foi a primeira experiência contundente e representativa do desafio que tínhamos às mãos. Todos os sentidos, que não a visão, estavam extremamente aguçados e sendo totalmente utilizados por cada um dos visitantes.
Os alunos que estavam entre nós eram deficientes visuais congênitos e totais. Tinham idades que variavam entre quatorze e vinte e sete anos. O mais velho, um rapaz muito educado e delicado ao manusear as peças, tinha uma curiosidade um pouco maior do que a média de seus colegas. Quando lhe foi apresentada uma serpente não peçonhenta, Falsa-
Coral (Oxyrhopus trigeminus) viva, a mesma tinha sua cabeça contida entre os dedos do pesquisador, para evitar alguma mordida acidental, já que o rapaz não a via. Assim como os outros colegas, ele "via" as formas e as cores vermelha, preta e branca distribuídas em anéis. Como os outros ele "via" a textura das escamas e a forma cilíndrica, passando seus dedos no sentido cabeça-cauda. Dizia: "- Ela é comprida! Puxa, como é comprida!" Quando seus dedos chegaram à ponta da cauda, esta se soltou de sua mão e foi amparada pelo pesquisador.
Nesse exato momento ele fez uma pergunta que, podemos considerar, mudou o rumo das exibições do MIB. Perguntou: "—Já acabou a cobra? Onde estão as patas?..." Seu espanto foi tamanho, que gritou a última frase. E os pesquisadores que os estavam atendendo ficaram profundamente comovidos com o fato de uma pessoa de vinte e sete anos saber que serpentes são "más", "malditas", "nojentas", peçonhentas, letais e desconhecer que não têm patas. Em avaliação do fato, considerou-se qual seria a figura de "monstro" que um deficiente visual faria de uma serpente.
Uma aranha fixada (preservada em via seca) foi passada de mão em mão. Todos os alunos a manipularam, tatearam, examinaram sem utilizar a visão, somente os dedos. Isto significa que 176 mãos (1.760 dedos) a tocaram e apalparam. Para espanto dos pesquisadores, que coordenavam a apresentação das peças biológicas, quando aquela aranha voltou para sua caixa, estava absolutamente inteira. Há que se comentar aqui que o manuseio desses artrópodos é muito difícil e, por mais delicado que seja um pesquisador (com visão perfeita e muitas vezes, até embaixo de lupa), ao manipulá-los, é quase inevitável que algumas estruturas se quebrem nas articulações e que a peça fique dividida em várias partes.
A aluna que não queria entrar no Museu, pensando ser Hospital, foi a única que não manuseou a serpente viva, por motivo de pavor incontido. Porém, quando entrou no ônibus que os transportava, pediu a um dos responsáveis para voltar ao Museu, porque ela não queria ser a única pessoa diferente do grupo. Levada de volta aos pesquisadores, fez o pedido formal para tocar na serpente. Foi atendida de imediato. Isto lhe valeu o título de coragem e de igual perante o grupo e... valeu a cada pesquisador que a atendeu, um beijo carinhoso e agradecido.
O ocorrido naquele dia tocou tanto a todos que, na mesma tarde desse atendimento especial, foi iniciada a elaboração de planos para atendimento de outros deficientes, com uma didática diferenciada que os fizessem entender com amplitude a importância das serpentes, aranhas, escorpiões e outros animais peçonhentos, no equilíbrio ecológico.

2 - Escola Municipal de Educação Especial "Helen Keller" - 1o. Grau (deficientes auditivos) - no MIB

Em 1986, quarenta alunos e oito professores especializados responsáveis, compunham um grupo muito disciplinado e interessado em ver serpentes, aranhas e escorpiões vivos. Por meio de comunicação gestual para deficientes auditivos, os professores traduziam as frases verbalizadas pelos educadores do Museu. Esta tática "perfeita" funcionou por poucos momentos, pois os alunos queriam "ouvir" os pesquisadores expressando-se por eles mesmos.
Foi nesse contato e com esse desafio que se percebeu, pela primeira vez, que atender a deficientes de qualquer tipo e grau é um aprendizado "de dois sentidos". Nosso esforço em nos fazermos entender era incentivado por todos, ao mesmo tempo em que pilheriavam por nossa falta de habilidade gestual. Isto foi, além de um aprendizado mútuo, uma nova modalidade de dinâmica de grupo de "aquecimento e confraternização". Este processo é utilizado em todos os atendimentos desde aquele dia. As brincadeiras solidárias formam laços que vão muito além da técnica didática.
Em meio a muitas risadas e brincadeiras, foi ensinado aos alunos que as serpentes são absolutamente surdas, pois não têm ouvido externo, nem médio. Isto foi mencionado cientificamente, sem ilações com o grupo ou suas deficiências. Nesse momento, todos, como que tocados por um mesmo raio de entendimento, iniciaram um alarido no auditório em que estavam. Emocionados, confraternizaram-se com as serpentes e passaram a fazer perguntas cada vez mais científicas a respeito, criando a necessidade de se mostrar um crânio de Jibóia (Boa constrictor constrictor) montado e a localização dos ossos (Columela auris) que lhe permitem perceber baixas vibrações provenientes do solo.
Em outro ponto das explicações, foi perguntado a eles se sabiam quantos olhos, geralmente, pode ter uma aranha e um escorpião. Por vários gestos, tentavam dar a resposta certa: 0 (nenhum), 1, 2... Não, era a resposta. 6, 7... Não! Até que um dos professores que os acompanhava, desviou a atenção do pesquisador que dava a aula, com uma pergunta extra. Voltando ao assunto anterior, o pesquisador perguntou novamente: "-Então, quantos olhos pode ter uma aranha?" - Todos os alunos cerraram os punhos e mostraram suas mãos fechadas girando. Leigo que era, o pesquisador assustou-se e perguntou por gestos: "-Querem me dar um murro? Por quê?" -Neste momento todos, inclusive seus professores deram longas gargalhadas, deixando-nos perplexos.
Quando pararam de rir (muito), os professores explicaram que o gesto de punhos cerrados e girando de um lado a outro significa, em linguagem gestual, o número oito. Os alunos simplesmente haviam continuado a numeração do ponto em que haviam parado, antes da interrupção do professor. Era a resposta correta. Aprendemos mais uma entre tantas.
Em visita da mesma escola, em 1989, quando as etiquetas explicativas das vitrinas do MIB já estavam escritas de maneira infantil e coloquial (Federsoni Jr. et al., 1989), um grupo de alunos parou na vitrina da serpente Jararaca (Bothrops jararaca) e fazia gestos de dúvida. Então, todos passaram a fazer o mesmo gesto e foram abordados pelos pesquisadores. Eles tinham dúvida sobre uma palavra: "limítrofe". (em nosso entusiasmo em nos dirigirmos às crianças escrevêramos de modo infantil, porém tínhamos utilizado termos mais difíceis e incompreensíveis para determinadas faixas etárias e para pessoas portadoras de vocabulário mais limitado). Os deficientes auditivos, novamente, nos ensinaram fazendo gestos significando "vizinho", como sinônimo de "limítrofe".
Em outra visita, em 1991, com alunos de 2o Grau, durante uma aula com manuseio, uma das educadoras do MIB tentava fazer-se entender para explicar a função de um órgão das aranhas, porém não conseguia atinar com um gesto que representasse o que queria explicar. Observada de longe por um colega do Museu, que também se esforçava por encontrar um gesto significativo, foi abordada por ele que tentou ajudá-la gesticulando. Neste momento, todos aprendemos uma regra vital para a comunicação com deficientes auditivos. Um dos rapazes que estava atento aos gestos da educadora chamou a atenção da mesma com gestos, passando o dorso da mão no rosto (significando "barbudo") seguido de um gesto de mandá-lo embora e outro menos confessável num trabalho como este, com significado de "parar de perturbá-los".
Aprendemos neste episódio que: por mais dificuldade que uma pessoa tenha em se expressar por gestos, quem está tentando decifrar os códigos está prestando total atenção naquela pessoa; qualquer interferência externa atrapalha a linha de raciocínio. E, talvez, a maior lição tenha sido dada por esse mesmo rapaz: o deficiente quer sentir-se e sente-se útil ao ensinar sua própria linguagem gestual. Forma-se assim, um aprendizado de "dois sentidos".

3- Associação para o Desenvolvimento e Reabilitação do Excepcional - ADERE - Adultas - no MIB

Um grupo de quatorze pessoas de sexo feminino, com idades entre 18 e 42 anos, excepcionais, portadoras de Síndrome de Down, com comprometimento entre limítrofe e médio; todas expressavam-se de maneira razoavelmente inteligível. Duas delas, a mais nova, e a mais idosa, limítrofes, porém com dificuldades de relacionamento, destacaram-se em dois momentos durante as explicações iniciais sobre serpentes e nos deram subsídios valiosíssimos para o atendimento a grupos vindouros.
A mais nova, dona de um vocabulário bastante abrangente e formando frases quase perfeitas, era portadora de uma necessidade obsessiva de ser reconhecida e acarinhada (mesmo que somente com palavras). Levantou a mão, logo no início da explanação, chamando a atenção sobre si, para fazer uma pergunta ao pesquisador que lhes falava. Atendida, fez uma pergunta muito pertinente e, por isso, foi elogiada com: "-Que boa pergunta!" - a qual foi respondida com uma recomendação final de que as outras alunas fizessem, também, suas perguntas. A mesma moça voltou à carga e novo elogio foi feito, para que as outras se sentissem mais à vontade para formular suas dúvidas. Nada ocorreu com as demais alunas. Mas, houve mais algumas dezenas de perguntas da mesma moça sempre seguida de resposta e de um elogio encorajador: "- Que boa pergunta!...".
A explanação seqüencial programada não ficou prejudicada, visto que todas as perguntas eram pertinentes e, de uma forma ou de outra, o objetivo havia sido atingido. Deu-se orientação de que a partir daquele momento elas fariam uma visita monitorada pelo Museu. Todas levantaram-se para se deslocarem até à exibição, quando a mais idosa delas colocou-se, quase que agressivamente, à frente do pesquisador e "a queima-roupa" lhe perguntou: "-Como é que as cobras vivem?" - ele respondeu de maneira simples (e assustada com a investida inesperada da moça) sobre serpentes terrestres, arborícolas e aquáticas e lhe perguntou se havia ficado claro, a resposta foi contundente e absolutamente significativa: "-Entendi! Mas, foi uma boa pergunta, não foi? Eu sou Fulana, muito prazer em te conhecer, viu!!! - virou-se de costas e acompanhou suas colegas...
Estava dado o seu recado e conseguido o seu elogio, esperado durante quase uma hora, enquanto sua colega era reconhecida com: "boa pergunta!" e suas dúvidas eram respondidas.
Aprendemos mais um ponto nessa psicologia excepcional: timidez está diretamente relacionada com a necessidade de reconhecimento imediato. Mais uma vez aprendemos que este é um aprendizado de "dois sentidos".

4- Centro Integrado de Educação Especial "Simone Martins Manuel" - 1o Grau - Excepcionais - no MIB

Um grupo de vinte e duas crianças e adolescentes portadoras de Síndrome de Down e algumas com teratogenias (malformações) múltiplas foi atendido no início de 1997. Dentro do programa apresentado há uma atividade de reconhecimento de texturas de couros curtidos de serpentes. Após pequena explanação, distribuem-se folhas de papel em branco e lápis de cera orientando que os alunos façam decalques esfregando o lápis sobre o papel que está assentado sobre o couro; com isto conseguem transpor para o papel a textura das escamas da serpente. Depois orienta-se que escrevam seus nomes e a data da visita e que guardem o desenho como lembrança daquele passeio (Fig. 4).
Isto foi feito mas, antes que fosse pedido que escrevessem seus nomes, uma das adolescentes com teratogenia significativa de crânio e por conseguinte de rosto e fisionomia, chamou-nos a atenção pela sua expressão de felicidade, adivinhada pelo brilho de seus olhos e por uma tentativa descomunal para que pudéssemos adivinhar também um sorriso maroto em sua fisionomia malformada. Ao nos aproximarmos dela, com os olhos nos apontou seu desenho PERFEITO e seu nome escrito com uma caligrafia de fazer inveja.
Por esse fato foi muito elogiada e seu desenho, já com nome e data, foi mostrado como exemplo para os demais componentes do grupo. Tudo isto seria até normal, caso a atividade terminasse naquele momento.
A segunda parte do programa consta da visita ao Museu, propriamente dito. Na metade do percurso existem serpentes brasileiras vivas. Numa dessas vitrinas, vimos essa moça mostrando uma serpente a seus colegas e, para isto, apontava com as mãos. Só então percebemos que ela apresentava teratogenia total de apêndices superior e inferior. Suas mãos não apresentavam dedos, mas um aglomerado de músculos, pele e unhas; unhas aquelas que nasciam das mais variadas partes das mãos. Não havia a menor condição de que aquela massa formasse pinça para segurar o lápis de cera, muito menos para escrever tão bem e bonito. Porém, contrariando a todas as nossas avaliações e questionamentos, ela havia conseguido desenhar e escrever. E, melhor do que isto tudo, havia transmitido um sentimento de profunda felicidade, não por gestos fisionômicos, mas pelo brilho de seus olhos vivos e encantadores.
Aprendemos que qualquer deficiência pode ser superada desde que dentro da massa corpórea deficiente exista uma fagulha de vontade e uma centelha de objetivo de viver.

5- Colégio "Anglo-Brasileiro" - pré-escola - não alfabetizados - no MIB

Vinte crianças de ambos os sexos, de quatro e cinco anos, orientadas segundo método alternativo de ensino construtivista (Bregunci, 1996) fizeram uma visita orientada ao Museu, porque tinham no conteúdo programático de seu curso de Ciências, um item referente à classificação dos seres vivos e para isto exploravam o tema: "Animais encontrados no jardim".
Atendidos por uma pesquisadora do MIB, foram apresentados a uma grande quantidade de utensílios de cozinha (panelas, pratos, copos, talheres...), todos espalhados aleatoriamente pelo chão. No início, uma enorme confusão instalou-se entre eles, por não entenderem o que havia ocorrido ali. Ao ser explicado que numa cozinha os objetos devem ter lugares corretos para serem guardados, foi pedido que organizassem "a cozinha do Museu".
Imediatamente começaram por colocar copos com copos, xícaras com xícaras, panelas com panelas... Depois de tudo organizado, foi-lhes dito que estava ótimo, mas que ali existiam coisas que quebravam com facilidade e coisas que não quebravam; então que classificassem tudo dessa maneira. Nova arrumação. Novo elogio; porém com o comentário de que ali existiam utensílios que podiam ir ao fogo e outros que não. Que reorganizassem tudo novamente. Isto feito em meio a uma algazarra "organizada". Mostrou-se a todos uma série de animais invertebrados, desenhados na lousa e pedido que os organizassem de acordo com suas semelhanças.
Organizaram-nos, envolvendo-os por meio de circunferências feitas com giz colorido, de acordo com o ambiente onde viviam, de acordo com o número de patas, com a constituição de seus corpos e chegaram à conclusão de que os grupos de animais, vegetais e minerais são classificados pelos cientistas conforme suas semelhanças e diferenças. E, daqueles grupos formados na lousa por cores de giz semelhantes, um foi pinçado e trabalhado posteriormente: o de artrópodos peçonhentos (aranhas, escorpiões, lacraias, abelhas, vespas...) que também são animais encontrados num jardim.
A algazarra contagiante daquelas crianças gerou um novo projeto para atendimento a não alfabetizados de pré-escola e ensinou aos pesquisadores que nunca se deve subestimar a sagacidade de uma criança, quando ela quer aprender e ensinar algo. Novamente o aprendizado de "dois sentidos".

6- Grupo "Morungaba" _ deficientes mentais limítrofes adultos _ no MIBIO

Em meados de 1999, o Museu foi contatado por uma educadora do projeto "Use a sua cidade". A intenção é a de conhecer os prédios, parques, logradouros, museus e igrejas da cidade por dentro. Neste caso, o interesse foi pelo prédio do Instituto Biológico, classificado por eles como "imponente, mas que ninguém sabe o que tem por dentro". Antes da visita, o grupo pesquisou as atividades do Instituto com seus orientadores. A partir dessa pesquisa, durante a visita, fizeram dezenas de perguntas preestabelecidas e visitaram os laboratórios do Museu. Porém, o que mais os impressionou em sua pesquisa anterior e que foi o motivo de 80% das perguntas, foi o porquê de se utilizar cobaias para experiências biológicas. Por algum motivo, especial para eles, consideravam as cobaias como seus "iguais", no contexto de sentirem-se tolhidos pela sua deficiência, da mesma maneira que as cobaias aprisionadas em suas gaiolas.
Esta última observação foi orientada para o fato de os animais existentes no Instituto Biológico terem cuidados veterinários, alimentação suficiente e balanceada e por "disporem-se" a servir aos seres humanos, no intuito de melhorar-lhes a qualidade de vida. Após duas horas e meia de perguntas sobre perguntas e muitas discussões proveitosas "nos dois sentidos", foram incentivados a buscar outros Institutos da cidade. A avaliação posterior à visita foi muito positiva e desdobrou-se em visitas a vários outros Institutos de pesquisas, visando um maior interesse pelo ambiente ao seu redor.

7- APAE _ Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais _ Unidade Brooklin _ SP _ 25 excepcionais adolescentes _ no MIBIO

Em 1999, acompanhados de seis professores e dois monitores fizeram visita aos laboratórios do Museu e tiveram contato com animais vivos e fixados. Foram orientados quanto ao reconhecimento de insetos e aracnídeos, visualizaram as atividades de um formigueiro vivo e manusearam espécimes de bicho-pau (Phybalossoma sp.) vivos, puderam observar as diferenças entre machos e fêmeas, entre filhotes e adultos e ovos não eclodidos. Foram orientados quanto ao perigo de alguns insetos que vivem próximos de residências e sobre a necessidade deles na Natureza, uma vez que fazem parte da cadeia alimentar.
A avaliação feita pelos professores, durante a semana da visita, demonstrou que, mesmo com a deficiência apresentada pelos alunos, os sentimentos quanto ao conhecer científico, a preocupação com o meio ambiente e a afetividade foram marcantes nos trabalhos apresentados pós-visita. Fato que impressionou a equipe do Museu foi a riqueza de detalhes representada nos desenhos e nas interpretações daqueles alunos (Figs. 1,2 e 3).
Avaliação
Dedicar espaço e tempo ao atendimento de pessoas com necessidades especiais de aprendizado trouxe aos pesquisadores do MIB e do MIBIO uma vivência rica, tanto pedagógica, como científica. A receita do atendimento tem ingredientes precisos, porém passa por procedimentos que sempre levam à improvisação e à descoberta de novos horizontes didáticos, materiais e de forte envolvimento emocional.
Qual um laboratório aeroespacial que pesquisa soluções para problemas imediatos. Sempre termina por suprir a população humana com subprodutos que ajudam sobremaneira na resolução de problemas do dia-a-dia, os atendimentos aqui descritos trouxeram um sem número de soluções para problemas museológicos e museográficos, também para os visitantes ditos "normais", tanto do MIB e MIBIO, como da Estação Ciência - USP _ ECUSP (Federsoni Jr., 1998).
Os jogos testados e/ou aplicados com grupos de deficientes podem demonstrar as mesmas definições a crianças de pré-escola ou a analfabetos e podem servir como motivo desencadeante de preciosos jogos, aplicados pelos Monitores do MIIB (Federsoni Jr., 2000) ou da ECUSP.
Muitas das vitrinas do MIB, das gavetas do MIIB e da ECUSP foram criadas ou reformuladas após um determinado atendimento especial. Esse mesmo atendimento levou os pesquisadores a elaborar o projeto MIBIO-2000, com implantação em andamento. A maior parte das aulas ministradas aos Monitores desses Museus tem seu conteúdo baseado nas experiências aqui descritas. E, pela prática, pode-se comprovar que um visitante de um Museu deste tipo é, de um modo ou de outro, um "deficiente", no sentido amplo da palavra, pois dispõe de informações entrecortadas e entremeadas por crendices, lendas, folclore ou insuficientes, de maneira que o risco de vida ao qual está sujeito é muito grande, quando se considera que sabe "mais ou menos" a respeito de animais que podem causar danos imediatos à saúde, deixar seqüelas graves ou levar ao óbito.
Outro aprendizado retirado dessas visitas especiais, pelos pesquisadores, foi o de que, sempre que possível, é conveniente e aconselhável despertar nas pessoas ditas "normais" um interesse maior pelos que não são aquinhoados com essa normalidade. Assim, foram introduzidos tópicos de aulas sobre deficientes físicos, em todos os graus e níveis, para profissionais que se inscrevem nos cursos promovidos pelo Museu, ministrados em três versões, para biólogos, educadores, arquitetos e interessados em geral. Um curso bienal, com carga horária entre 120 e 160 horas/aula, dentro de um Curso de Pós-Graduação - latu sensu - "Serpentes, Aranhas e Escorpiões", promovido pelo Instituto Butantan, nos anos pares,na Disciplina: "Museologia e Educação Ambiental". Este curso longo deu origem ao Curso "Museu como modelo de Educação Não Formal", concebido com duas cargas horárias distintas, a saber: mensal, com quatro horas/aula, dando uma visão descritiva/teórica sobre a Museologia; e outro de 40 horas/aula, teórico-prático, onde os alunos são divididos em quatro grupos, que devem conceber, planejar, montar e "inaugurar" quatro Museus distintos, num dado espaço, num tempo determinado. Esse Museu deve preocupar-se em fazer um planejamento para a recepção de visitantes com necessidades especiais de aprendizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em quinze anos de experiências com deficientes, seja em aulas, seja em jogos ou visitas monitoradas, pode-se chegar a uma conclusão drástica, que é o denominador comum entre todas as deficiências, em qualquer grau de comprometimento: deficientes exigem ser tratados como pessoas comuns principalmente aqueles que apresentam um grau de compreensão maior por não terem comprometimento mental.
Outro fato indiscutível é que em todas as ocasiões, onde foi feito algum tipo de promoção pública, pela mídia, a respeito do programa de atendimento do MIB, o número de visitas caiu ou simplesmente não houve visitas por alguns meses. Concluímos, por nossa experiência e pela de outros colegas de diversos Museus e outras instituições que fazem esse tipo de atendimento, que nunca se deve ter uma área ou um local destinado somente a deficientes. Isto discrimina quem está dentro da área ou do programa. O simples fato de mencionar um atendimento "diferente" faz com que a discriminação se faça presente. Em conversa com um deficiente visual, que se propôs a nos ajudar nos planejamentos, ficamos sabendo que ele se sentia muito mal em locais com atendimento especializado, pois era observado sem poder observar e, com palavras dele: "- Num lugar assim, todos sabem que sou cego!... Devem ficar me olhando e sentindo pena de mim... Então, por melhor que seja o lugar, eu não vou!!!" - e completou com uma frase que deve merecer a avaliação de todos que trabalham em locais diferenciados desta maneira. Disse:
"-Eu não pertenço a um grupo de deficientes. Se pertencesse e fosse visitar o lugar em grupo, não me sentiria tão mal, mas sozinho, não vou mesmo!..."
Este deve ser um ponto a ponderar com muito carinho e deve haver uma discussão ampla entre os técnicos da área (Museólogos e Pedagogos das instituições especializadas). Numa experiência que tivemos em 1994, com um grupo de deficientes auditivos, adultos, trabalhadores (por isso atendidos num final de semana), quando dávamos aula, apresentando slides e "falando" com eles por intermédio dos gestos de uma das suas professoras, houve parada no fornecimento de eletricidade e, logicamente, a aula foi interrompida. Essa obra do acaso fez com se estreitassem os laços entre alunos e pesquisadores do MIB. Isto motivou talvez a conversa mais produtiva dentro destes quinze anos. Os alunos propuseram-se voluntariamente a nos ajudar.
Disseram que éramos "muito bonzinhos" tentando nos fazer entender a qualquer custo. Eles diziam que tinham consciência de sua deficiência e que gostavam do desafio de entender pessoas interessadas em ajudá-los. Isto nos levou a uma conclusão estupenda e que mereceu muita reflexão: esses deficientes, que não têm comprometimento de raciocínio lógico, vivem seu mundo e nele fazem seus "jogos" particulares (e gostam dos jogos que concebem!). São jogos em que, instintivamente, utilizam outros sentidos e partes do cérebro que aquelas pessoas "ditas normais" não utilizam. São jogos sensoriais, de memória, de percepção rápida e que exigem respostas ápitas por parte de seu raciocínio.
É desta maneira, pelos jogos que criam, isolados em seu mundo, que deficientes visuais "vêem", que percebem as cores pelo sentido do tato, por intermédio de freqüência das ondas de luz. É pelos exercícios freqüentes com os outros sentidos que se relacionam tão bem com o mundo ao seu redor. É assim, também, com jogos elaborados que deficientes auditivos criam novos gestos que se alastram entre eles, como um dicionário gestual. Percebemos que as várias instituições atendidas têm gestos estereotipados para quando estão em colóquio normal com pessoas de fora do grupo. Mas, cada instituição tem uma espécie de "dialeto gestual" característico, criado por aquele grupo determinado. Concluímos, em uma visita, em que pessoas pertencentes a uma instituição, transferiram-se para a que nos visitava, que a "conversa" era mantida com os gestos estereotipados e quando os veteranos gesticulavam entre si, utilizavam o "dialeto" próprio.
Uma das professoras que os acompanhava nos explicou que esses grupos criam gestos dialéticos, gírias e expressões idiomáticas e que os utilizam somente entre eles, sendo dificílimo, para os próprios educadores daquela escola, penetrar nesse mundo particular e interpretá-los de maneira conveniente, principalmente entre adolescentes que, além da deficiência, têm a rebeldia característica da idade.
A essa adaptação, que denominamos "jogo", os deficientes motores também a desenvolvem. Atendida toda uma família, de São Miguel Arcanjo, SP, cujos pais são irmãos, com sete filhos de ambos os sexos, todos portadores de teratogenias gravíssimas, em todas as partes do corpo. Uma das filhas, a primogênita, apresentava ausência total dos quatro membros, tendo somente o tronco atrofiado e cabeça sem deformação e portadora de uma fisionomia belíssima e serena, era transportada por uma cadeira de rodas, onde mantinha-se atada por cintos. Numa conversação bastante proveitosa para ambas as partes, ela afeiçoou-se a um dos pesquisadores e, com ele, passou a manter correspondência. A caligrafia era perfeita. A amizade estreitou-se e uma pergunta fez-se possível sem constrangimentos: "- Quem escreve suas cartas? - e a resposta foi pronta: "- Eu!... Com a boca!..."
Esse "jogo", elaborado por ela mesma, em seus momentos de isolamento, a fez não só portadora de caligrafia invejável, mas criadora originalíssima de uma possibilidade de comunicação com seus semelhantes. Isto a levou ainda a desenhar e pintar de maneira sublime.
Ora, quem cria seus próprios "jogos" merece ser visto, ouvido, estudado e respeitado de maneira humana e científica, para que deles se possa aproveitar esse aprendizado de "dois sentidos". Assim, criaram-se também "jogos" entre os pesquisadores do MIB e do MIBIO. E esses "jogos" têm trazido resultados benéficos a ambos os lados do aprendizado.
Àqueles que, de uma ou de outra maneira, chegam ao MIB ou ao MIBIO, dá-se tratamento natural, sem ênfases a nenhuma das declarações feitas ou aos gestos. Nada se faz que possa representar um atendimento especial. E, na medida em que os visitantes se interessem em ajudar o corpo técnico, são aceitos de maneira natural e entusiasmada. Essa troca de informações não só os une a nós (às vezes por períodos longos), como serve de elo com outras pessoas que passam a nos procurar. Assim, chegamos à conclusão de que a melhor propaganda é aquela feita entre essas pessoas tão especiais, que "descobrem por si" os nossos serviços. Assim, elas entram no nosso "jogo".
O resultado de várias tentativas de abordagens criou nosso "jogo" e trouxe como norma básica para as aulas a menção, sem ênfase, somente dito da maneira mais natural possível, que serpentes são absolutamente surdas; de que os ofídios têm uma visão praticamente nula em determinadas situações e que elas, não tendo apêndices locomotores, foram aquinhoadas pela natureza evolutiva, com outros meios de locomoção e que são tão evoluídas e atuais que são animais nossos contemporâneos, portanto viáveis e auto-suficientes. Cita-se de passagem que algumas aranhas, apesar de terem tantas pernas, não têm veneno tão potente ou força suficiente em seus apêndices locomotores, para caçar suas presas, necessitando, assim, de uma armadilha: a teia. Isto dito em uma aula de Biologia normal tem uma conotação; porém, numa dessas aulas especiais, cai como raio de confraternização com esses animais; é aí que se inicia o nosso grande "jogo".
Em avaliações no final dos cursos sobre Museus, pode-se averiguar que a fatia da sociedade conhecida como "pessoas com necessidades especiais de aprendizado" sempre é aquinhoada com cuidados especiais pelos grupos de alunos desses cursos. Essa vivência tem-nos mostrado que o impacto emocional causado pela simples menção do problema aos alunos (profissionais da área de educação), depois de tratado tecnicamente e discutido como "somente mais um problema" a ser resolvido, é transmudado para uma preocupação individual de como poder resolver problemas de maneira técnica e racional.
Cada experiência particular (familiar, afetiva ou profissional) é trazida à baila pelos alunos e discutida entre todos. São tentadas soluções teóricas e, logo em seguida, colocadas em prática pelos grupos que constroem seus Museus. A cada novo Curso, há um aumento significativo de soluções para os pesquisadores do Museu que fazem desta prática, também, um "jogo" de aprendizado nos "dois sentidos".

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Fernando que desconhecia o fato de serpentes não terem pernas e à Maria que voltou do ônibus ao Museu para tocar em uma serpente, naquele primeiro atendimento que fizemos, em 1985. À Maria Ordaíza que nos inspirou tanto com suas cartas escritas com a caneta segura entre os dentes. Em nome deles agradecemos a todos os deficientes que nos visitaram e nos ensinaram a ler seus gestos, entender seu mundo e a enxergar mais com os olhos da alma do que com os olhos biológicos. À Rosana que nos ensinou que a vontade de escrever bonito ultrapassa os limites de não se ter mãos perfeitas e nos mostrou raios luminosos, canalizados de sua alma para seus olhos disformes, mas vivos como a própria vida.
Aos dois grandes visionários da educação, Kipling e Baden-Powell, agradecemos pela ajuda pedagógica, que nos permitiu desenvolver todo o nosso programa de atendimento especial.
Às funcionárias de apoio do MIB pela ajuda em todos os momentos, desde a preparação do material biológico (especialmente, Maria de Lourdes Campos) até o acompanhamento e monitoramento dos grupos.
À Fundação VITAE* pela ajuda prestada em várias fases deste programa de atendimento. [VITAE não compartilha necessariamente dos conceitos e opiniões expressos neste trabalho que são da exclusiva responsabilidade dos autores.]

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Recebido para publicação em 26/1/200O

http://www.biologico.sp.gov.br/biologico/v62_1/museu2.htm#Relatos de Casos
Revisada em July 13, 2000

DOSVOX - UM NOVO ACESSO DOS CEGOS Ã CULTURA E AO TRABALHO

JOSÉ ANTONIO BORGES

1 -OS DEFICIENTES VISUAIS NO BRASIL


Segundo dados obtidos com a Organização Mundial da Saúde, o número de pessoas portadoras de deficiência visual no Brasil seria hoje estimado em aproximadamente 750.000 pessoas. Esse número serve apenas como base, uma vez que não existe estatística oficial sobre deficiência em nosso país.
Uma pessoa cega pode ter algumas limitações, as quais poderão trazer obstáculos ao seu aproveitamento produtivo na sociedade. Grande parte destas limitações podem ser virtualmente eliminadas através de dois elementos:
· uma educação adaptada à sua realidade
· uso de tecnologia para diminuir as barreiras.
Existe um elemento chave que diferencia o cego brasileiro de um cego do primeiro mundo: o acesso à educação e à cultura. Isso é facilmente explicável: existe um custo adicional para a educação do cego. Por exemplo, produzir um livro em Braille é muito mais caro e difícil do que um livro comum, e assim, só são transcritos para Braille aqueles que são básicos. Jornais em Braille, nem pensar !
Felizmente isso está mudando, com a disponibilidade de tecnologia a custo baixo. Dois elementos são chave deste processo: a existência do gravador portátil e o microcomputador.
O gravador, permitindo o registro e a reprodução de textos a custo baixo, foi um grande salto para o acesso à cultura. Hoje existe um grande número de "livros falados", que ampliam o horizonte cultural do cego.
O microcomputador, tecnologia muito nova, amplia até um limite inimaginável as oportunidades do cego. Desta tecnologia falaremos a seguir.

2 - TECNOLOGIA DA COMPUTAÇÃO A SERVIÇO DO CEGO

Desde a década de 70, foram desenvolvidos diversos equipamentos para serem acoplados aos computadores grandes, visando adaptar uma pessoa cega ao seu uso. Mesmo no Brasil, existem algumas dezenas de cegos que trabalham como analistas de sistemas e programadores, auxiliados por tais equipamentos. Esses equipamentos, entretanto, são relativamente caros, inviabilizando o seu uso amplo pela população.
Para completar o quadro, hoje em dia, o computador é utilizado em virtualmente todos os tipos de trabalho. Além disso, o barateamento do preço dos componentes eletrônicos provocou sua popularização. Hoje, qualquer pessoa de classe média pode adquirir um microcomputador por um preço acessível. Atualmente, estão facilmente disponíveis no computador recursos de áudio e vídeo, numa visão tecnológica conhecida como multimídia.
Para o deficiente visual, a existência desta tecnologia de baixo custo é a chave para sua utilização. Através do uso de recursos sonoros, por exemplo, um cego pode utilizar facilmente o computador, pois a maior parte de sua interação com o mundo é feita através destes meios (audição e fala).
Naturalmente, a utilização do computador deve ser viabilizada através da utilização desses recursos em programas especialmente preparados. Esses programas suprem a deficiência visual através da utilização de recursos sonoros (por exemplo, oferecendo um “feed-back” sonoro das informações mostradas no vídeo). Tais programas podem ser agrupados em duas classes distintas:
1. Programas de adaptação sonora, que possibilitam ao deficiente utilizar os programas comerciais já existentes no mercado, mesmo que esses não tenham sido preparados para falar;
2. Programas aplicativos, similares aos que existem no mercado, mas adaptados às necessidades do deficiente.
Existem muitos destes programas disponíveis no mercado, e utilizáveis em microcomputadores. Infelizmente, até este momento, estes programas tinham algumas restrições muito sérias:
· a maior restrição: não falavam português.
· custo alto: um programa de auxílio pode chegar facilmente ao custo de 1000 dólares ou mais.
· utilização de sintetizadores de voz caros: a fala é produzida em sintetizadores cujo preço varia de 1000 a 3000 dólares.
· os sistemas falam "computês": os sistemas existentes utilizam todo jargão de computação, e assim, uma pessoa só consegue dominar a ferramenta computacional após um treinamento especializado e muitas vezes demorado.
O sistema DOSVOX veio para mudar este panorama.


3 - O SISTEMA DOSVOX

O Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ, situado no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, criou o sistema DOSVOX, destinado a auxiliar os deficientes visuais a usar o computador, executando tarefas como edição de textos (com impressão comum ou Braille) leitura/audição de textos anteriormente transcritos, utilização de ferramentas de produtividade faladas (calculadora, agenda, etc), além de diversos jogos. O sistema fala através de um sintetizador de som de baixo custo, que é acoplado a um microcomputador tipo IBM-PC.
O sistema DOSVOX evoluiu a partir do trabalho de Marcelo Pimentel Pinheiro, estudante de informática cego, e que desenvolveu o editor de textos do sistema. Marcelo é hoje programador do NCE, onde trabalha sob orientação acadêmica do prof. José Antonio Borges, responsável pela coordenação do projeto DOSVOX.
São diversas as chaves que provocaram um sucesso extraordinário deste projeto, que hoje é utilizado por mais de 500 cegos de todo Brasil:
· custo muito baixo - o sistema foi industrializado e hoje é vendido por menos de 100 dólares;
· a tecnologia de produção é muito simples, e viável para as indústrias nacionais;
· o sistema fala e lê em português;
· o diálogo homem-máquina é feito de forma simples, removendo-se ao máximo os jargões do "computês";
· o sistema obedece às restrições e características da maioria das pessoas cegas leigas;
· o sistema utiliza padrões internacionais de computação, e assim, o DOSVOX pode ser lido e pode ler dados e textos gerados por programas e sistemas de uso comum em informática.
O projeto tem um grande impacto social pelo benefício que ele traz aos deficientes visuais, abrindo novas perspectivas de trabalho e de comunicação. O projeto é resultado do esforço de muitas pessoas, entre as quais se destacam o Eng. Diogo Fujio Takano, projetista do sintetizador de custo baixo e o analista Orlando José Rodrigues Alves (in memorium) desenvolvedor de grande parte do sistema, e Luiz Cândido Pereira Castro (in memorium), também cego, que foi o responsável pela distribuição do DOSVOX para o Brasil
A tecnologia, portanto, existe no Brasil. A idéia, portanto, é torná-la disponível para a comunidade. O próximo bloco fala de como esta tecnologia pode ser aplicada aos diversos problemas.

4 - AÇÕES CONCRETAS ATRAVÉS DO SISTEMA DOSVOX
Organizamos a seguir diversas situações em que o uso do sistema DOSVOX pode ser a chave da solução para os problemas do portador de deficiência visual. São propostas as ações para soluções dessas situações.

a) formação da criança e jovem deficiente visual
A formação da criança e jovem cego é muito prejudicada por falta de acesso a recursos, tecnologia e cultura. É até possível colocar um cego numa classe comum de escola, porém os livros são todos impressos no sistema comum. Nessas circunstâncias, o aluno pode utilizar a tecnologia Braille para copiar e fazer seus trabalhos escolares, mas isso esbarra em pontos chaves:
· raríssimos professores sabem Braille
· sem o apoio de pessoas voluntárias (por exemplo a própria família) que se disponham a ler os livros impressos comuns, o cego ficará restrito à informação verbal transmitida pelo professor.
Ação:
Com o uso do DOSVOX o aluno pode fazer seus trabalhos sendo facilmente compreendido pelo professor. O DOSVOX, acoplado a um aparelho de "scanner" e com o uso de um programa de "Optical Character Recognition" (O.C.R.). pode ler textos no sistema comum.
Os problemas desta ação são disponibilizar o DOSVOX à comunidade estudantil, em especial os equipamentos de scanner. Isso é plenamente viável, centralizando alguns equipamentos em bibliotecas públicas, a exemplo do que é feito na Biblioteca de Curitiba.

b) dificuldade de acesso a leitura
A dificuldade de leitura, visto no item anterior, e fundamental no estudo, acompanha sempre o cego. Por exemplo, uma pessoa que tenha ficado cega, e que já tenha uma profissão, tem totalmente tolhido seu desenvolvimento profissional. O acesso a jornais impressos só é possível via uso de "ledores", termo que designa aquele que lê para a pessoa cega .
Ação:
Como todos os jornais, revistas e livros hoje são produzidos por computador, o disquete pode, em geral, ser lido pelo DOSVOX. Um exemplo disso, é o Jornal O Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil, que disponibilizam na rede Internet para os Deficientes Visuais, de forma gratuita, os seus resumos diário e semanal.
Os problemas dessa ação se relacionam à dificuldade de conscientização dos editores da importância social de tal ação, pois embora a disponibilização dos textos em disquete não acarrete despesa (uma vez que os textos já são computadorizados), provavelmente também não dará lucro comercial, pois o número de exemplares vendidos será pequeno.
Obs.: Como uma primeira ação neste sentido, a equipe DOSVOX conseguiu a autorização por parte da editora IBPI do Rio de Janeiro, para impressão em Braille, no Instituto Benjamin Constant, de toda biblioteca básica de computação.

c) Os deficientes visuais não têm acesso a informações básicas para convivência social
É extremamente difícil para um cego ter acesso a informações absolutamente triviais, tais como preço de mercadorias, número de telefone, cardápios, orientações do espaço público, caixa automática bancária, etc. Por outro lado, a tecnologia informática cada vez mais domina o acesso do usuário à informação.
Ação:
Prover nas soluções tecnológicas o acesso sonoro, possivelmente utilizando a tecnologia do DOSVOX, que é aberta, e que pode ser facilmente adaptada a estes equipamentos.
As dificuldades desta ação têm a ver especialmente com conscientização dos produtores de que a tecnologia existe e é viável de ser usada, e dos compradores da tecnologia que devem solicitar que tais facilidades sejam colocadas. É importante lembrar que muitas "features" dos sistemas computadorizados são meras "firulas" para atrair o usuário, e um sistema falado pode ser um elemento altamente atrativo. Qualquer microcomputador pode falar.

d) Os deficientes visuais fora das capitais do Brasil, de um modo geral, encontram mais dificuldades de acesso à cultura e à informação

Ação:
Através da ação de instalar nas bibliotecas das pequenas cidades do interior microcomputadores, que, entre outras coisas, poderiam servir para as pessoas cegas terem acesso aos disquetes gerados nas bibliotecas das capitais, se poderia levar à cultura ao cego de cidades médias do Brasil. Em especial, via telecomunicações, os disquetes das bibliotecas das grandes cidades poderiam ser transportados para as cidades menores. O DOSVOX possui suporte a telecomunicações via telefone.
As dificuldades deste processo se referem à coordenação das interações entre bibliotecas, uma vez que, praticamente, todas as cidades médias, hoje em dia, já estão equipando suas bibliotecas com microcomputadores. O custo do sistema DOSVOX, sendo muito baixo, não introduz uma dificuldade maior neste processo.
Um possível modelo a seguir é o que vem sendo adotado em algumas cidades do Brasil, onde pessoas cegas montam pequenas estruturas e ensinam a tecnologia DOSVOX (entre outras) para deficientes visuais, coordenando este trabalho com as bibliotecas públicas.
e) os deficientes visuais poderiam ser muito mais produtivos se tivessem ensino profissionalizante adaptado.
Existe uma série de atividades, que poderiam ser perfeitamente realizadas por deficientes visuais, com preparo de nível médio, com uso do computador. Alguns desses exemplos são as atividades de “telemarketing”, atendimento de reclamações por telefone, recepcionista, etc. Essas atividades, naturalmente exigem um treinamento, por razões óbvias.
Ação:
Através da tecnologia DOSVOX, muitas o p o r t u n i d a d e s de profissionalização podem surgir. Um exemplo é o da Embratel, que está promovendo a reciclagem profissional de seus telefonistas cegos, para poder colocá-los em novos pontos dentro da empresa, em que farão, essencialmente, o atendimento ao público, utilizando telefone e computador, prestando informações e registrando no computador reclamações e pedidos feitos por usuários.
Essa profissionalização poderia ser feita tanto nas instituições destinadas a ensino de cegos, quanto nas próprias empresas, da mesma forma que é feita para funcionários comuns.

f) o uso de computador pode dar novas oportunidades às pessoas que ficam cegas após sua inserção no mercado de trabalho.
Existem milhares de pessoas que adquirem cegueira depois de estarem formados. Causas variadas, desde doenças até acidentes, retiram do mercado de trabalho centenas de pessoas por ano. São médicos, juízes, advogados, engenheiros, que se vêm privados de meios para produzirem.
Ação:
Viabilizar a readaptação das pessoas que ficam cegas, ensinando-lhes, durante o período de reabilitação, a utilização da tecnologia adequada a cada caso.
Pelo fato de o DOSVOX ser uma tecnologia aberta, ele pode ser usado e adaptado para uso em um sem número de atividades. Um exemplo extremo é o de músicos cegos, produzindo música por computador, usando programas profissionais, acionados via DOSVOX.

g) cego deveria ter acesso à "aldeia global"

As telecomunicações são uma realidade dos tempos atuais. O transporte de informações através da rede telefônica, interligada ao sistema internacional de comunicações, utilizando tecnologia de satélite, viabiliza o transporte de informações, quase instantâneo, a qualquer um que disponha de acesso à Internet, serviço prestado pela Embratel a custo reduzido.

Para o deficiente visual, o acesso às informações via rede, viabilizaria a recepção de jornais, informações gerais, troca de mensagens, acesso às centrais de vídeo texto, informações bancárias etc.
Ação:
A tecnologia DOSVOX incorpora o acesso às telecomunicações através de “fax-modem”. O desejável seria um tratamento diferenciado de tarifas para o uso do deficiente às telecomunicações. Uma instituição pública poderia centralizar o armazenamento das mensagens de correio eletrônico, e a distribuição de informações e programas destinados aos deficientes, a exemplo da RENDE, Rede Nacional de Deficiente, da Universidade de São Paulo.
Através das redes públicas e de pesquisa, por exemplo, RENPAC, é viável ter toda a comunidade deficiente visual comunicada entre si e com o mundo, através da Internet. O custo disso é irrisório, pois o volume de informações a comunicar é compatível com o serviço que é prestado pelas BBS comerciais do país.
h) instituições tradicionais não têm meios que facilitem o acesso à tecnologia
Ter acesso à tecnologia implica mais do que comprar computadores: o material humano é o item principal. Difundir a tecnologia para as instituições que já existem é um desafio a ser vencido, uma vez que muitas vezes a mudança para incorporar a tecnologia representa um esforço que estas não estão dispostas a fazer.
Ação:
Favorecer a instalação de equipamentos e treinamento nas instituições idôneas do país. Aí, a iniciativa privada pode ter papel importante, no sentido de, a partir do pessoal treinado nessas instituições, dar-lhes oportunidade de estágio ou emprego.

i) o cego e a universidade
Atualmente na UFRJ existem menos de 10 (dez) deficientes visuais cursando cursos de graduação e pós-graduação, tais como: Informática, Matemática, Direito, etc. A causa desse pequeno número pode ser explicada por problemas sócio-econômicos do país que atingem a população de baixa renda, dificultando o ingresso nas universidades, e dos poucos recursos encontrados para a formação dessas pessoas. A dificuldade é ainda maior à medida que o grau de especialização aumenta. Falta a eles literatura especializada, equipamentos e monitoria especial.

Ação:
A universidade tem sempre atuado como o centro de produção de tecnologia. As indústrias buscam suas soluções em pesquisas desenvolvidas dentro das universidades. Assim, ela tem gradativamente conseguido papel de destaque dentro da sociedade. O que se propõe agora é a utilização dessa tecnologia já produzida no auxílio aos deficientes.

Assim, o papel da universidade passa a ser não apenas o de desenvolver tecnologia, mas de desenvolver com humanidade. O auxílio ao deficiente pode ser encarado como um investimento a médio prazo, que acarretará em retorno de novas tecnologias para a própria sociedade, produzidas, agora, pelos próprios deficientes. Essas novas tecnologias podem ser reaplicadas, produzindo então um ciclo que se auto-impulsiona.

j) necessidade de treinamento de pessoal de programação para difundir a tecnologia de fala aos mais variados campos.
A tecnologia de fala existe e funciona. Aplicá-la a campos específicos exige que existam programadores e analistas de sistemas com domínio dela. Embora essa tecnologia seja simples, é necessário um esforço de sua difusão no âmbito técnico.

Ação:
É importante promover treinamentos e publicações em que a tecnologia seja explicada para que possa, em curto espaço de tempo, ser dominada pelo pessoal técnico.


5 - CONCLUSÕES

O projeto DOSVOX foi criado utilizando tecnologia totalmente nacional. Tanto o software quanto o hardware são projetos originais, de complexidade baixa, e adequados às necessidades e dificuldades financeiras do Brasil.

O impacto do sistema DOSVOX sobre a comunidade cega e deficiente visual é grande, e pode ser facilmente avaliado pela imensa repercussão na imprensa escrita, falada e televisada. O projeto DOSVOX pode ser uma cunha que abra novos espaços a uma parte importante da população brasileira, cujo destino forçou a uma série de limitações. Com o uso efetivo do sistema, adaptado às reais necessidades dos cegos do Brasil, esperamos dar mais um passo no sentido de tornar os deficientes visuais elementos mais produtivos e melhor integrados à sociedade.

Entretanto, ele é apenas uma ferramenta. Para que ela possa ser efetivamente importante, é necessário o início imediato das ações que possam aplicá-la ao maior número de deficiente visuais do nosso país. E isso depende do esforço de todos.

ANTONIO JOSÉ BORGES é professor do Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ
Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro, 1996 - 200.156.28.7

NOÇÕES BÁSICAS DE DEFICIÊNCIA VISUAL


1. CONCEITO

O termo deficiência visual refere-se a uma situação irreversível de diminuição da resposta visual, em virtude de causas congênitas ou hereditárias, mesmo após tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de óculos convencionais. A diminuição da resposta visual pode ser leve, moderada, severa, profunda (que compõem o grupo de visão subnormal ou baixa visão) e ausência total da resposta visual (cegueira). Segundo a OMS (Bangkok, 1992), o indivíduo com baixa visão ou visão subnormal é aquele que apresenta diminuição das suas respostas visuais, mesmo após tratamento e/ou correção óptica convencional, e uma acuidade visual menor que 6/18 à percepção de luz, ou um campo visual menor que 10 graus do seu ponto de fixação, mas que usa ou é potencialmente capaz de usar a visão para o planejamento e/ou execução de uma tarefa.

2. CLASSIFICAÇÃO

Há vários tipos de classificação. De acordo com a intensidade da deficiência, temos a deficiência visual leve, moderada, profunda, severa e perda total da visão. De acordo com comprometimento de campo visual, temos o comprometimento central, periférico e sem alteração. De acordo com a idade de início, a deficiência pode ser congênita ou adquirida. Se está associada a outro tipo, como surdez, por exemplo, a deficiência pode ser múltipla ou não.

3. DADOS ESTATÍSTICOS
Segundo a OMS-Organização Mundial de Saúde, cerca de 1% da população mundial apresenta algum grau de deficiência visual. Mais de 90% encontram-se nos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, a população com deficiência visual é composta por cerca de 5% de crianças, enquanto os idosos são 75% desse contingente. Dados oficiais de cada país não estão disponíveis.

4. CAUSAS

De maneira genérica, podemos considerar que nos países em desenvolvimento as principais causas são infecciosas, nutricionais, traumáticas e causadas por doenças como as cataratas. Nos países desenvolvidos são mais importantes as causas genéticas e degenerativas. As causas podem ser divididas também em: congênitas ou adquiridas.
Causas congênitas: amaurose congênita de Leber, malformações oculares, glaucoma congênito, catarata congênita.
Causas adquiridas: traumas oculares, catarata, degeneração senil de mácula, glaucoma, alterações retinianas relacionadas à hipertensão arterial ou diabetes.

5. FATORES DE RISCO

Histórico familiar de deficiência visual por doenças de caráter hereditário: por exemplo glaucoma.
Histórico pessoal de diabetes, hipertensão arterial e outras doenças sistêmicas que podem levar a comprometimento visual, por exemplo: esclerose múltipla.
Senilidade, por exemplo: catarata, degeneração senil de mácula.
Não realização de cuidados pré-natais e prematuridade.
Não utilização de óculos de proteção durante a realização de determinadas tarefas (por exemplo durante o uso de solda elétrica).
Não imunização contra rubéola da população feminina em idade reprodutiva, o que pode levar a uma maior chance de rubéola congênita e conseqüente acometimento visual.

6. IDENTIFICAÇÃO

Alguns sinais característicos da presença da deficiência visual na criança são desvio de um dos olhos, não seguimento visual de objetos, não reconhecimento visual de familiares, baixa aproveitamento escolar, atraso de desenvolvimento. No adulto, pode ser o borramento súbito ou paulatino da visão. Em ambos os casos, são vermelhidão, mancha branca nos olhos, dor, lacrimejamento, flashes, retração do campo de visão que pode provocar esbarrões e tropeços em móveis.
Em todos os casos, deve ser realizada avaliação oftalmológica para diagnóstico do processo e possíveis tratamentos, em caráter de urgência.

7. DIAGNÓSTICO

Obtido através do exame realizado pelo oftalmologista que pode lançar mão de exames subsidiários. Nos casos em que a deficiência visual está caracterizada, deve ser realizada avaliação por oftatmologista especializado em baixa visão, que fará a indicação de auxílios ópticos especiais e orientará a sua adaptação.